30.5.05

ALGUÉM QUE VOCÊ CONHECE?

Há sempre alguém que conhecemos e, pior, convivemos, que se encaixa nessa descrição de Balzac.

"Não se encontram muitos homens cuja profunda nulidade é um segredo para a maior parte das pessoas que os conhecem? Uma posição elevada, um nascimento ilustre, atribuições importantes, um certo verniz de polidez, uma grande reserva no procedimento ou o prestígio da fortuna, são para eles como guardas que impedem os críticos de penetrar na sua existência íntima (...)
Essas personagens de merecimento fictício interrogam em vez de falar, possuem a arte de dispor os outros em cena, fazê-los mover com destreza segundo suas paixões ou os seus interesses, e zombam assim de homens que lhes são realmente superiores, fazem deles seus fantoches e julgam-os pequenos porque os rebaixaram até suas pessoas".
Balzac - A Mulher de Trinta Anos

A DOR DO NÃO VIVIDO



"Definitivo, como tudo o que é simples.
Nossa dor não advém das coisas vividas,
mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram".
A Dor do Não Vivido
Carlos Drummond de Andrade


"O que mata as pessoas é o fato de esperar. Quando se aceita que tudo é desesperado é mais fácil alcançar a felicidade. As pessoas se matam é por decepção". Essa é a alternativa de André Comte-Sponville, um filósofo francês, para que se alcance a felicidade. O desespero descrito é o deixar de esperar, estágio que pressupõe a perda e indica a dificuldade do caminho. É o reconhecimento de que a vida é decepcionante pois, quem usa a esperança como meio de vida alterna, constantemente, estágios de decepção e esperança, o que transforma o mundo em uma constante aflição. Sair desse ciclo é alcançar a sabedoria, na qual o real basta.
Isso pode parecer um tanto soturno, mas é explicado quando pensamos que só se espera o que não depende de nós - o irreal ou desconhecido - do conhecido se tem vontade.
Tudo isso me parece muito lógico a essa altura, embora a prática dessa teoria tão simples, que de maneira não intencional Drummond explicou em poesia, não seja assim fácil de aplicar.
Fica a dúvida: se o melancólico é o doente da verdade o histérico o prisioneiro da mentira, qual é a melhor situação?



20.5.05

LE BAISER DE L'HÔTEL DE VILLE



Sempre gostei de fotos de beijo. Essa, do Robert Doisneau sempre me encantou. Aliás, o fotografo tem uma série de fotos de casais, todas belíssimas. Havia uma pessoa que sempre me mandava fotos de beijos por email, algumas ainda tenho. Vou postá-las aqui aos poucos.
Bem...mas o "O Beijo do Hotel de Ville" foi leiloado em abril em Paris por 155.000 euros. Foi estranho saber disso, é como se a magia se perdesse. Obviamente já não acreditava mais que o casal havia sido flagrado em uma cena apaixonada pelas ruas de Paris. Sabia que eram parte de uma série e que o jovem casal, Françoise Bornet e Jacques Carteaud, havia sido convidado a posar. Mas agora a foto tem um valor, um alto valor! E o dinheiro fruto de sua venda, um objetivo: financiar uma produtora de documentários e ajudar jovens cineastas. Ao menos o objetivo é nobre. De qualquer forma, acho que esse é um caso parecido com o da enseada do Manoel de Barros.
Ah, Françoise e Jacques não se casaram, o romance só durou alguns meses.

19.5.05

DAS DEFINIÇÕES

"O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa
era a imagem de um vidro mole que fazia uma volta atrás de casa.
Passou um homem depois e disse:
Essa volta que o rio faz por trás de sua casa se chama enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que fazia uma volta atrás de casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem".
O Livro das Ignorãnças
Manoel de Barros

Lembrei desse trecho de Manoel de Barros hoje enquanto pensava no efeito das definições e explicações. Existem coisas na vida que não devem "ser sabidas", informações que existem para ser guardadas. Às vezes nossa verdade é tão verdade que a verdade real, a verdade verdadeira, quase se torna mentira.
Lembro que quando minha mãe me contou que papai noel não existe, eu já desconfiava, mas, definitivamente, não queria saber! Minha única reação, entre as lágrimas, foi perguntar a ela por que havia me contado aquilo. Eu não queria saber.
Não quero saber das má índole dos meus ídolos, quero acreditar que cantam como anjos, atuam como se estivessem tomados por entidades ou escrevem por dom divino. Não quero ler um estudo de obra que explique exatamente como interpretar esse ou aquele poema. Quero sentir, quero fazer minhas próprias analogias, quero criar minhas imagens, quero afinar meu olhar.

18.5.05

MILTON!!!!!!!!!!!!!!

Milton Nascimento toca no Palácio das Artes no dia 30 de junho. Só não comprei o ingresso porque ainda não estão vendendo. Concordo com Elis Regina, "se Deus cantasse, cantaria com a voz do Milton".

Outro lugar - Milton Nascimento
Composição: Elder Costa

"Cê sabe que as canções são todas feitas pra você.
E vivo porque acredito nesse nosso doido amor.
Não vê que ta errado, tá errado me querer quando convém
E se eu não estou enganado acho que você me ama também

O dia amanheceu chovendo e a saudade me contem
O céu já tá estrelado e tá cansado de zelar pelo meu bem
Vem logo que esse trem já tá na hora, tá na hora de partir
E eu já to molhado, to molhado de esperar você aqui

Amor eu gosto tanto, eu amo, amo tanto o seu olhar
Andei por esse mundo louco, doido, solto com sede de amar
Igual a um beija-flor, que beija-flor,
De flor em flor eu quis beijar
Por isso não demora que a historia passa e pode me levar

E eu não quero ir, não posso ir pra lado algum
Enquanto não voltar
Não quero que isso aqui dentro de mim
Vá embora e tome outro lugar
Talvez a vida mude e nossa estrada pode se cruzar
Amor, meu grande amor, estou sentindo
Que esta chegando a hora de dormir".

15.5.05

ANTES DO AMANHECER

Vi Antes do Amanhecer (Before Sunrise) novamente. Na primeira vez, em 1995, me apaixonei por Viena. Depois disso vi o filme mais algumas vezes, e a cada uma delas tive uma impressão diferente. Ontem percebi o mais interessante: são 105 minutos de diálogo. Ao final notei que são somente Jesse e Celine, os demais não tem sequer nome, são parte da interação dos personagens com a cidade.
A "versão vienense de vagabundo" é fantástica: "me dê uma palavrava, te dou um poema, se acrescentar alguma coisa, vocês me dão o que quiserem". Quisera eu encontrar um poeta marginal em cada esquina!
Quanto aos personagens, Celine é passional e cheia de opinião; Jesse, cético e conciso. É interessante como as diferenças surgem ao longo da história até chegar ao final, um prato cheio para o imaginário.
Determinadas obras - filmes, textos, telas - tem um efeito devastador sobre minhas emoções. Essa é uma delas.
.

13.5.05

NO TELEFONE

"- Oi, Edu?
- Elisa?
- É. Reconheceu pelo número?
- Não. Pelo "Edu".
(humor levemente amargo)
- Ah. Resolvi ligar. Eu não devolvi aquele recado que você me deixou.
- Pois é. Pensei que você não quisesse mais falar comigo.
- Eu? Não. Eu...Ihhh...
(medo de confessar)
-...andei ocupada.
(detalhamento desnecessário numa conversa de celular)
- Hum. Eu também ando ocupado. Bastante até.
(demonstração de vaidade e rancor)
- Poxa, então...
(quanto à polidez dos ex-amantes...)
-...liguei pra te fazer um convite.
(silêncio para arritimia cardíaca)
- Queria receber você para um fim de tarde, aqui em casa.
(onde o que é proibido torna-se banal)
- Sei...Acho uma delícia.
(real alegria)
- É? Amanhã então?
(misto de euforia e desamparo)
- Amanhã?
(surpresa que possibilita uma leitura enganada)
- Por quê?
(leitura enganda)
- Você não pode?
(rapidez)
- Posso, posso, tá combinado.
(no entregar-se, o querer nada)
- Ótimo. Eu quero te propor uma coisa.
(o querer)
- Eu vou adorar saber o quê.
(a verdade)."

Do livro Aritimética, de Fernanda Young. Da nossa vida. Afinal, quem nunca foi Elisa ou Eduardo?

12.5.05

COMO É QUE É?

Sempre disse que mulher não precisa de igualdade, precisa de privilégios. Isso significa que gosto muito de gentilezas e paparicos, não que abro mão de posição de "mulher moderna, inteligente e independente", doravante denominada "MMII", para simplificar .
Ainda que "MMII" seja um conceito um tanto "pastoso", acredito que eu e grande parte de minhas amigas somos integrantes desse grupo, mesmo porque não nos vejo em nenhum outro. Eis que hoje descubro, por meio de uma dessas "MMIIs", a existência da "Síndrome da Mulher Cabeça".
Uma psicóloga, dona de uma agência de encontros, concluiu, baseado em sei lá que metodologia de avaliação, que MMIIs afastam os homens. Segundo a fulana, a MMII "quer segurar o homem no papo, como se estivesse negociando, mas o homem cola na mulher, em primeiro lugar, através do visual e gestual femino (sic)". Para ela, MMIIs não são femininas.
Fica então o questionamento: eu, minhas amigas, e todas a MMIIs do universo temos que fingir que não somos MMIIs para termos alguém ao nosso lado? Será então essa a solução para a solidão, o "mal do século", como disse Renato Russo?
Não sei não, só sei que se essa for, de fato, a solução, prefiro morrer a míngua! E viva as MMIIs!

11.5.05

ARDIDO

"(...) Será que a ostra quando arrancada de sua raiz sente ansiedade? Fica quieta na sua vida sem olhos. Eu costumava pingar limão em cima da ostra viva e via com horror e fascínio ela contorcer-se toda. E eu estava comendo o it vivo. O it vivo é o Deus.
Vou parar um pouco porque sei que o Deus é o mundo. É o que existe. Eu rezo para o que existe? (...) Não gosto é quando pingam limão nas minhas profundezas e fazem com que eu me contorça toda. Os fatos da vida são o limão na ostra? Será que a ostra dorme? (...)"
Sem muitos comentários, apenas resolvi recomeçar a ler Clarice Lispector. Agora vai ser mais fácil!

10.5.05

SESSÃO "LA POEIRA"

Tenho gostado de ouvir músicas antigas, daquelas que tocavam dez, quinze anos atrás. Essa é uma delas, faz parte da trilha sonora de um daqueles filmes da década de 80. Não lembro do nome do filme, só da cena em que um carinha está em uma barraca na beira da praia mostrando a uma motoqueira ( que por um acaso é a Marina Lima) a letra que não consegue terminar, e ela ajuda completando com o "eu te amo". Enfim... a letra é uma declaração de amor criativa e a melodia é bem gostosa. Tentem ouvir que vale a pena!

Deusa da Ilusão
Lulu Santos
Composição: Desconhecido

Jezabel, princesa de Babel de Babilônia e Xanadú
Meu Xangrilá és tu tesouro do Eldorado
Sou teu guerreiro de Esparta teu guardião
Selena que me ilumina o céu e organiza os oceanos
É teu meu tempo e mais é tua a minha história é teu meu reino da memória
Ó Feiticeira de Judah que me incendeia e faz voar

Sereia do meu mar astronave do meu ar
Edelweiss do Himalaia tu és maia, tu és má
Tu és a deusa da ilusão e eu te amo...

FILANDRAS

"Hoje estou melancólica e suspirosa como minha mãe,
choveu muito, e a água invadiu este porão de lembranças,
bóiam na enxurrada a caminho do rio.
Deixo que naveguem, pois não as perderei.
O rio é dentro de mim"
(Adélia Prado)

Às vezes é assim, as lembranças dominam as idéias, e como é difícil escapar! Questiona-se as escolhas, surgem dúvidas... as lembranças parecem tão boas! Onde vão parar os momentos ruins quando as lembranças vem à tona?
O trecho acima é do livro Filandras, da Adélia Prado, uma coletânea de contos que tratam do desejos, de sonhos, de amores, de características humanas. Filandras, segundo o dicionário, são fios longos e delgados, flocos esvoaçantes que vão pelo ar e cobrem os vegetais. As relações são assim, delicados fios esvoaçantes.

9.5.05

A PRIMEIRA VEZ A GENTE NUNCA ESQUECE!

"Na minha casa sempre tem,
lugar pra quem vem de fé,
de paz, de bem...".
(Yê Borges / Márcio Borges)

Pensei muito qual seria a primeira coisa a postar, algo que permitisse a aqueles que lessem entender um pouco da essência dessa proposta, um pouco da minha essência. Por isso um trecho de "Em Família", do Márcio Borges, para demonstrar que estou pronta a acolher pessoas de boas intenções e bons sentimentos.
Sempre resisti ao desejo de ter um blog. As dúvidas eram muitas. A principal era se teria tempo e disciplina para atualizar, pois acho que devo isso aos que visitam a página. Decidi que meu blog deveria se parecer comigo, que, muitas vezes, acho mais fácil recitar um poema ou cantar uma música como explicação para muita coisa, pois para "muita coisa importante falta nome", já disse Guimarães Rosa.